– Fala! Fala! Fala!
– Não fala! Não fala! Não fala!
– Fala!
– Eu ouço vozes!
– Fala! Fala! Fala!
– Não! …
– Não digo, mas eu penso, e o pensamento pode se transformar em fato. Esta cidade pode ser invadida…
– Invadida? …
– Invadida por um bando! Um bando! … Um bando de bandidos! Um bando de sapos, de leprosos. Um bando de insetos, de gafanhotos e homens esquisitos. De decapitados, de mulas sem cabeça. De loucos!
– De loucos?…
– Ou de bobos! De marcianos, drogados, perdidos!
– Perdidos?
– Per-di-dos!
– Não pense! Não pense!
– Não penso, mas eu vejo.
– Vê?
– Vejo a cidade! Vejo os bandidos! Vejo políticos desonestos, falsos profetas! Eu sinto medo.
– Não veja! Não veja!
– Vejo o sofrimento dos subjugados. Vejo a dor dos corações aflitos e dos injustiçados. Vejo o frio das mães e dos pais separados dos seus filhos. Vejo o desespero…
– Não, não, não veja!…
– Não vejo, mas eu ouço.
– Ouve?
– Ouço o silêncio das mentes caladas. O desespero, o desespero…
– Não ouça, não ouça! …
– Eu sinto, eu sinto!
– Sinto a tristeza da vida interrompida. A dor de quem foi alvo da injustiça. A agonia, a agonia…
– Não sinta! Não sinta! …
– Eu morro, mas eu sinto, levo comigo a carga deste mundo. E levo isto para outras vidas. Perdão, perdão, perdão…
Cristina Vieira de Souza