Entrevista Com Rogério Salgado
Quando se pensa em poesia em Minas Gerais, nomes como Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado são referências, mas, dificilmente, quem gosta e vive a poesia por aqui deixará de citar Rogério Salgado como uma das mais vivas expressões dessa arte.
Hoje, com 49 anos de carreira, Rogério decidiu ser poeta, em 1975, após ler o poema “Palavras ao cadáver”, de Antônio Roberto Fernandes. Mais tarde, em 1982, ele recebeu uma pequena quantia de um seguro e resolveu arriscar. Foi aí que ele publicou o seu primeiro livro, “Tontinho”.
Carioca, Rogério adotou Minas Gerais e aqui esculpiu sua obra. Como uma árvore de cores e tamanhos variados, ele leva poesia como quem distribui cartas a leitores diferentes em idade, status social e cultural.
A exemplo de grandes poetas, como Vinicius de Moraes, nascido, Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes, Rogério, também, optou por sintetizar o próprio nome substituindo Rogério Salgado da Silva, por Rogério Salgado. Sua escolha aconteceu em razão da facilidade de assimilação que o nome artístico escolhido tem em comparação ao nome de registro.
Avesso a entrevistas, este ano ele concedeu três, com o objetivo de divulgar o seu livro, Antes que a Lua Enfarte, e, por um acaso da sorte, fui uma das premiadas para essa agradável tarefa.
“Sou avesso a entrevistas. Acho chato ter de falar de mim assim, abertamente, e bate aquela insegurança. Este ano, por causa do meu novo livro Antes que lua enfarte, concedi apenas três: para Brenda Marques Pena, para a Rede Minas; para o poeta, filósofo e crítico literário, Leonardo de Magalhaens e, agora, para você”.
Criativo
1. Como você se define? Quem é o poeta Rogério Salgado?
RS: Quando eu tinha 11 ou 12 anos, não me lembro bem, uma professora pediu que os alunos escrevessem uma redação cujo tema era Eu sou uma arvorezinha.
Todos escreveram que eram uma macieira, uma mangueira, uma laranjeira e aí por diante.
“Eu escrevi que era a arvorezinha que levava as revistinhas do Pato Donald e Tio Patinhas para as crianças, as notícias sobre carros novos para os papais… e que eu era a arvorezinha símbolo da Editora Abril”.
A professora então comentou com a minha tia que eu tinha imaginação fértil e que seria um escritor. Hoje, sou poeta.
2. Como você se descobriu poeta?
RS: Numa aula de Tecnologia Açucareira, escrevi meu primeiro poema e mostrei ao professor. Ele leu e me repreendeu dizendo para eu parar de copiar os outros. Ali, recebi o meu primeiro desestímulo.
Nessa época escrevi mais de 300 poemas, que se condensaram em pouco mais de 40, no meu primeiro livro de poemas: Meu Íntimo, de 1984, com capa de Carlos César do Carmo, prefácio do teatrólogo, Orávio de Campos, e contracapa do ator Atilano Rocha. Apesar do livro ser imaturo e pobre literariamente, ele foi importante para mim, porque foi ali que tudo começou.
A publicação desse livro aconteceu graças ao apoio do poeta Wagner Torres, que também organizou um lançamento num bar que ficava em cima do Teatro Marília.
3. Quantos anos você tem de carreira? Como você descreve a sua trajetória?
RS: Tenho 49 anos de carreira. Minha trajetória é simples. Em 1975, após ler o poema, Palavras ao cadáver, de Antônio Roberto Fernandes, decidi que seria poeta.
“Nesse momento, muitos imaginaram que eu seria mais um vagabundo”.
Com a morte de minha mãe, em 1980, vim morar em Belo Horizonte, na casa do meu irmão. Em 1982, recebi uma pequena quantia de um seguro que a minha mãe havia feito e resolvi arriscar. Publiquei, então, o meu primeiro livro: Tontinho, um conto ingênuo de apenas 20 páginas, numa tiragem bem humilde, já que era o que dava para fazer com a grana.
A partir desse livro, comecei minha carreira vendendo o meu próprio trabalho. Em 1986, dentro de casa, sugeriram que eu deveria deixar essa coisa de ser poeta e procurar um emprego decente.
Decidi então, deixar uma vida com alguns luxos e fui para a rua. Dormi embaixo de marquises, até que Wagner Torres, meu companheiro na Arte Quintal, me convidou para morar na casa dos seus pais.
“Hoje vivo da minha arte e sou reconhecido nacionalmente, o que me enche de orgulho por ter lutado tanto para vencer na vida com a poesia e, sempre que posso, estendo a mão aos poetas iniciantes que me procuram”.
Uma frase da minha autoria, bastante conhecida, diz o seguinte: O poeta, como todo artista, precisa passar por três fases na vida: a primeira, quando inicia a carreira, ele é humilde e simples; a segunda é quando ele se torna consagrado, ele é arrogante e, na maioria das vezes, um mala; a terceira é quando ele se torna amadurecido, ele então volta à primeira fase e se torna novamente humilde e simples.
“Pena que a grande maioria nunca passa da segunda fase”.
4. Quantas obras você publicou? Todas são de poesia ou há alguma exceção? Entre essas obras, quais você ressalta e por quê?
RS: Tenho mais de 30 livros publicados. A maioria é de poesia. Escrevi alguns poucos livros de contos, um romance e algumas peças de teatro, mas descobri que no fundo sou um poeta metido a escrever outras coisas e decidi ficar só na poesia. Gosto muito de Volúvel Fado, de 2020, e estou apaixonado pelo meu último livro, Antes que a lua enfarte, publicado este ano. Gosto dos dois porque, no Volúvel Fado fui como um profeta e, em alguns poemas, já denunciava o risco que a nossa democracia sofreria, entre 2019 e 2022. Já em Antes que a lua enfarte, apesar de registrar vários poemas que falam de minhas lembranças e vivências pessoais, também expresso que o que eu previa era realidade e a nossa democracia realmente passou por um perigoso 8 de janeiro de 2023 e, ainda, continua sofrendo ameaças.
5. Por que reuniu em um único livro as suas obras Tontinho e Jesus Cristo Cego, elas têm algo em comum?
RS: Sabe, eu tenho uma fobia de morrer e deixar poemas engavetados e eles se perderem. Então, quando penso em publicar um novo livro, busco inspiração para escrever e escrevo até sentir que já tenho poemas suficientes para esse novo livro. Depois, sou capaz de me travar e, se preciso, ficar dois ou mais anos sem escrever. Daí que, em 2022, senti necessidade de publicar um livro, mas estava desanimado a escrever novos poemas, por causa de tudo que a nossa cultura estava passando. Estava, sim, desesperançoso, principalmente pelo fechamento do Ministério da Cultura, que se transformou numa secretariazinha de fundo de sala. Foi quando lembrei que meu primeiro livro, Tontinho, estava fazendo 40 anos de publicação, mas aí seria um livro de poucas páginas. Lembrei, então, que meu livro Jesus Cristo Cego, contendo um poema sacrossocial, estava fazendo 35 anos de publicação.
“Ao receber uma proposta do Selo Editorial Starling, do meu amigo Rodrigo Starling, decidi publicar os dois livros, com o título de capa Agnus, porque o personagem Tontinho era um cordeiro social do morro e Jesus tinha sido o Cordeiro de Deus”.
6. Você tem um papel fundamental na reunião mensal de poetas no Centro Cultural Padre Eustáquio. Em que consiste esse encontro? O que acontece ali? Por que ela é importante para quem participa e para a sociedade?
RS: Gostaria de esclarecer que, apesar de muitos pensarem, eu não trabalho no Centro Cultural Padre Eustáquio e que realizo raros eventos nesse local. Sempre nas terceiras sextas-feiras do mês, a não ser em raras exceções, às 19 horas, acontece o evento Feira de Poesia, criado, há 10 anos, pelos poetas Paulo Siuves e Márcia Araújo e que, pela minha amizade com Hélio Prata, organizador do evento, apenas ajudo a divulgar e também dou uns toques para cada realização. Apenas isso.
“O Feira de Poesia é um encontro de poetas no qual eles trocam ideias, leem ou recitam seus poemas. É um evento muito gostoso de participar e que sempre será importante para todos nós”.
Além disso, o encontro é aberto ao público. Quem quiser assistir ou participar, o endereço é Rua Jacutinga, 550, Padre Eustáquio, aqui em Belo Horizonte.
7. Embora carioca, você mora em Belo Horizonte há mais de quatro décadas, por que você escolheu Minas Gerais?
RS: Não escolhi. Quando minha mãe, a pianista Glória Salgado, faleceu, o único lugar que eu tinha para ir era a casa do meu único irmão, aqui em Belo Horizonte.
8.A maioria dos poetas opta por outra forma de ganhar a vida. Como é para você viver de poesia? Você considera que ao optar por viver da poesia você tem uma vida mais intensa e feliz?
RS: Eu sempre acreditei na minha poesia. Costumo dizer que, se você não acredita no seu produto, você nunca vai vendê-lo. Passei muitas
dificuldades. No começo de carreira vendia livros de mão em mão, até que passei a ser convidado para eventos.
“Hoje recebo cachê para uma participação, seja apresentando uma performance ou para um bate-papo. Tenho oficinas para as quais busco patrocínios e consigo realizá-las, e meus livros vendem razoavelmente bem”.
9. Quais foram as suas principais influências? Fale um pouco sobre isso?
RS: Minhas primeiras influências foram os poetas Antônio Roberto Fernandes, Artur Gomes e Carlos A. A. de Sá.
“Posteriormente, fui muito influenciado por Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Mário Quintana, porque vejo muito do que penso nos poemas deles”.
10 – Sua última obra, Antes que a Lua Enfarte, tem um nome bastante original, por que adotou um nome tão singular? O que ele exprime? Qual o seu impacto em sua trajetória?
RS: O título surgiu por acaso, após pronunciar: ‘vou ali e volto antes que a lua enfarte’. Aí constatei que, sem querer, disse uma frase poética e escrevi o poema, Prece, cuja abertura é essa frase. Esse foi o único poema que escrevi entre 2019 e 2023, e o mais interessante é que ele saiu inteiro. Depois voltei à reclusão.
“Vivíamos muitas turbulências no Brasil, daí pensei que a situação estava tão complexa que até a lua corria risco de enfartar. Entre os meus livros, esse é o que está obtendo mais aceitação e isso me faz muito feliz”.
11. Este ano você lança mais uma edição de “Cena Poética”. Em que consiste essa obra? Alguma novidade? Quem são os autores? Qual a sua importância para os participantes e para a poesia?
RS: Entre 2005 e 2014, eu e Virgilene Araújo realizamos na capital mineira, o Belô Poético, Encontro Nacional de Poesia de Belo Horizonte, evento que, sem apoio de nenhum órgão público, mas apenas com apoio de amigos e da iniciativa privada, reuniu poetas de vários estados do país e alguns do exterior. Ele nasceu do objetivo de reunir autores nacionais, em uma obra que desse representatividade a isso. Diante disso, resolvemos criar uma coletânea que unisse poetas consagrados e iniciantes de várias partes do país. Chegamos a publicar oito edições. A coletânea recebeu o título de Poetas En/Cena.
“Com o fim do Belô Poético, decidi deixar de publicar essa coletânea, mas, diante de uma insistência enorme para que eu desse continuidade à publicação, resolvi iniciar outra, agora com o nome de Cena Poética”.
Essa é a única obra que publico que conta com participação de outros autores. Faço isso porque tenho muitas alegrias com esse trabalho. Por meio dele, abri as portas para muitos poetas iniciantes, que hoje são participativos e alguns até fazem parte de academias.
“Vale ressaltar que a coletânea Cena Poética recebeu, em 2015, da IWA-International Writers and Artists Association, dos Estados Unidos da América, a premiação The Best Anthology of Poetry in Portuguese of Brazil. O projeto gráfico da capa é de Valdinei do Carmo. Já o projeto gráfico e a diagramação do miolo é de Irineu Baroni, que é co-editor, junto comigo”.
Este ano a obra está em sua 10ª edição e conta com autores dos estados do Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Os livros serão entregues aos autores, em uma Noite de Confraternização, com direito a sarau, no dia 30 de agosto, às 19h, no Centro Cultural Padre Eustáquio.
Foto: Guilherme Ximenes
12. Quais são os seus planos para este e o próximo ano? Tem algo novo em mente?
RS: Para este ano, realizar várias noites de autógrafos com Antes que a lua enfarte. Para os próximos, não penso em nada pessoal. Vou deixar acontecer.
13. Que poema melhor o representa? Por quê? Pode reproduzi-lo para que outras pessoas leiam?
RS: O poema que mais gosto e me identifico com ele é CONCEITO, porque diz tudo o que penso sobre meu ser e fazer poético.
CONCEITO
Para Orávio de Campos
Sou o que representa
a febre, a dor
a expressão exata
a corda que desata
todos os nós acorrentados
aos conceitos do que
querem que a poesia seja.
Canto a canção ferida
daquilo que é doído
tenho olhos de vidros partidos
e a imensidão de compor.
Não me estabeleço
amanheço, entardeço, anoiteço
na forma mais concreta.
14. Que conselho você deixa para quem está começando?
RS: “Acredite sempre em você e no seu trabalho e não deixe ninguém dizer que você está no caminho errado”.
Leia muito, principalmente poesia, porque aprendemos muito com a poesia de outros poetas.
Quer entrar em contato com Rogério Salgado? Envie uma mensagem para ele. O e-mail dele é:
E-mail: poetarogeriosalgado@yahoo.com.br